O Nascimento do Felipe, parto desassistido por Mariana Betioli

Antes de começar a escrever esse relato eu tinha duas opções: fazer um parágrafo de 5 linhas, já que foi um parto muito rápido e simples, ou fazer um texto enorme que tentaria mostrar o que fez com que as coisas acontecessem como aconteceram.

Como eu acredito sempre que os fatos não vêm isolados, tudo tem um porquê, resolvi ficar com a segunda opção e mostrar todo o processo.

Aí vai...

Meu 1º parto foi em casa há 3 anos, troquei de médico com 32 semanas e foi mais ou menos aí que decidi que quem tomaria conta da minha vida seria eu. Passei a ver tudo de maneira diferente, suei para tomar cada decisão como mãe em relação ao parto, vacinas, educação, alimentação....

Engravidei do Felipe e, desta vez, tive muito tempo para me preparar.

Lembro que na 1ª consulta com o Dr. Jorge, ele me p erguntou o que eu queria e respondi sem hesitar: quero tudo igual, foi maravilhoso, não posso imaginar nada melhor.

O tempo foi passando e a cada encontro no GAMA, cada livro que li (e foram vários), cada conversa com as meninas da lista, com a Ana Cris, Cris Balzano, cada aula de Yoga, cada vídeo, relato e sites que visitei, insônias produtivas e principalmente cada consulta com o Dr. Jorge foram me propiciando momentos de reflexão e assim passei a me conhecer melhor ainda e me sentir mais segura. Pensei neste parto desde o momento que engravidei, e a maneira como eu imaginava que ia acontecer foi se modificando na medida em que o tempo foi passando.

Com umas 30 semanas, me sentia tão segura, confortável com a certeza de que parir realmente é uma coisa que sabemos fazer, todas nós, há muito tempo. A natureza é perfeita, mas o que torna tudo complicado é o medo que aos poucos vai ficando na cabeça das pessoas, mas na minha não, eu não vejo o parto como um momento tenso, de risco. Minha mãe, minha tia, minha avó sempre me contavam os partos como algo simples que exige um pouco de paciência e a essência é essa: você contrai, dilata e expulsa, sente dor, mas depois passa e pronto. Eu acho que é assim mesmo quando a mulher está sem muitas interferências.

Bom, aí comecei a achar meio desnecessária a presença de tanta gente, médicos, doula, parentes, fotos, filmes. Ninguém poderia confiar tanto em mim quanto eu mesma. Eu ficaria mais tranqüila se estivesse só com o Cesar e minha mãe.

Esse pensamento foi tomando forma e eu só conseguia pensar no parto assim, num silêncio que seria quebrado somente com músicas que me ajudam a concentrar. Via-me num trabalho de parto rápido, adiando o telefonema para a equipe, porque no fundo eu não queria que eles chegassem a tempo.

Eu tinha consciência desse desejo, não podia ignorar e queria que fosse algo muito pe nsado e planejado para que minha mãe e o Cesar não ficassem com medo e ansiosos, eles tinham que ter confiança também. Conversamos bastante e eles me apoiaram, mas se sentiriam melhores com a presença pelo menos de um profissional em casa. Conversamos com a Ana Cris, minha doula no primeiro parto, que não achou minha idéia maluca, entendeu, esclareceu muitas das minhas dúvidas e topou estar por perto.

Eu estava um pouco ansiosa pela conversa que teria com o Dr Jorge, sei lá, fiquei com receio de dizer que achava a presença dele dispensável, mas este homem é iluminado, sensível, transparente, sabe ouvir, dizer a coisa certa na hora certa, ele entendeu tudo que eu pensava, como me sentia, o porquê desse desejo, tudo! Eu não esperava deles o aval, mas precisava da compreensão, porque são pessoas que eu admiro muito e gosto de ouvir.

14 de janeiro, eu estava com 37 semanas e 1 dia, trabalhei o dia todo, fomos à última consulta com o D r Jorge, onde mais uma vez, tivemos uma conversa gostosa. Eu estava tendo muitas daquelas contrações de BH que são indolores e deixam a gente com a barriga quase triangular. Voltei conversando bastante com o Cesar no trânsito, como de costume após as consultas, e decidi que era hora de comprar algumas coisas para o parto mesmo com aquele temporal, afinal o André nasceu de 37 semanas e 3 dias e eu não queria ser pega de surpresa. Peguei a tesoura da minha mãe, comprei fraldas, álcool...

Contei quantas contrações de BH estava tendo e deu 10 em 1 hora, normal. Jantamos, o André dormiu e fomos fazer a seleção de músicas para colocar no Mp3. Eu não poderia parir sem minhas músicas! Terminei e dormi.

Acho que porque eu já tinha tido mais uma consulta, tinha comprado o que precisava, gravado minhas músicas, decidi parir, relaxei, me autorizei.

De repente, 0:20 acordo tomada por uma contração bem dolorida que me deixou imà ³vel por alguns segundos na cama, quando passou, chamei o Cesar. Ele não acordava, cutuquei até que começou outra, bati nele com a almofada e falei que estava com dor, até que resmungou sem abrir os olhos:

- Será que você está em trabalho de parto?

Eu falei: Acorda homem! Seu filho vai nascer, pegue um relógio.

Contou as contrações e estavam de 2 em 2 minuto e durando mais de 50 segundos. Fiquei assustada, não seria possível estar dormindo e do nada vir assim tão intenso... mas era.

Liguei para Ana Cris e eu quase não conseguia falar direito.

Pedi ao Cesar que pusesse as músicas e pronto. Naquele momento me entreguei, nadei a favor naquelas ondas de contrações, já não queira saber de nada. Era meu corpo e do meu bebê trabalhando, de ninguém mais dependia essa tarefa, apenas nós dois. De olhos sempre fechados, me concentrava no meu corpo ainda formado por duas pessoas tão íntimas. Estava deitada de lado na cama e assim fiquei.

Em seguida, minha mãe chegou e os dois andavam pela casa procurando lençóis, toalhas... Meu pai saiu para comprar canudinho porque eu engasgava na hora de beber água na garrafa.

Estava sozinha no quarto e tive uma contração punk, depois outra pior que todas que já tive e veio com o rompimento da bolsa. Ouvi uns passos e avisei que tinha rompido. Na contração seguinte senti o Felipe descendo e os puxos. Até então eu achei que estava só começando, mas já estava no fim. As contrações eram contínuas. Avisei minha mãe que passou a apoiar minha perna e segurar minha mão. Meu corpo tremia todo. O Cesar, com a luz do celular, viu o que eu já sentia: estava coroando. Sentia o círculo de fogo.

Eu sentia tudo. O bebê descendo rodando para um lado, depois para o outro, passando pelos meus ossos, a saliência do narizinho, o líquido saindo em jato entre o Felipe e eu, cada parte saindo de mim. Coloquei as mãos para baixo, acariciei sua cabecinha até que nasceu e o Cesar apoiou o Felipe e me ajudou a pegá-lo. Incrível!

Era 1:27, mais uma vez senti aquela emoção que só as mães sentem, o amor transbordando, olhar para quem habitou meu corpo por tantos meses e cumpriu comigo sua primeira tarefa na vida, primeira de tantas que eu ainda vou ajudá-lo.

Ficamos ali abraçados, eu estava perplexa, minha ficha não tinha caído, foi rápido demais para que eu e ele nos déssemos conta do que havia acontecido. O Felipe mais assustado que eu, chorou, chorou e não quis mamar.

Meu pai chegou com os canudinhos ouvindo da sala os primeiros gritos do segundo neto.

Ana Cris chegou em seguida. Depois veio minha irmã e minha prima.

Expulsei a placenta para só depois o Cesar cortar o cordão.

Ficamos ali na cama, cochilamos um pouco até amanhecer. Ouvi uns passinhos, era o André acordan do. O Cesar foi contar a novidade e quando ele entrou no quarto, ficou todo feliz, beijou, abraçou. Um fofo!

Foi assim... sem fotos, sem vídeos, quase sem testemunhas. Mas um momento vivido com intensidade. Posso fechar os olhos e sentir tudo de novo. Cada instante está gravado em mim, na minha memória e no meu coração para sempre.

Divido com o Cesar e minha mãe um momento mágico. Uma cumplicidade que temos de um acontecimento incrível onde tive o apoio das duas pessoas com quem tenho mais intimidade. Estava completa, não senti necessidade de mais nada, nem ninguém. Foi perfeito!

Hoje concluí que a melhor forma de se dar à luz é no ambiente em que a mulher se sente segura e cercada das pessoas que trarão mais tranqüilidade a ela. No meu caso era assim, só nós três, na minha cama, no silêncio de uma madrugada tranqüila.

As limitações estão dentro da gente e se temos consciência de que elas existem, fica mais fácil vencê-las e se entregar. Acho que um dos grandes problemas não só da medicina, mas enfim... é que as pessoas são vistas em partes: um útero, um par de pulmões, uma vagina, dois ovários... Somos um todo. Corpo e mente. O parto também é produto desse conjunto.

Eu fiz o que pude, busquei chegar mais perto do equilíbrio.

Me sinto muito feliz e orgulhosa de saber que pude dar um presente tão importante para o Felipe: um nascimento tranqüilo, uma recepção cheia de amor e respeito que eu sei que vai ficar de alguma forma marcada em sua vida.

Curiosidades:

*Números: 37 semanas e 2 dias, 15 de janeiro de 2008, 3,290 Kg, 49cm, 1h07m de trabalho de parto, mamãe virou uma bolinha, engordou 18kg (imagine se fosse até 42 semanas...).

*Antes de dormir e apagar a luz avistei da minha cama o protetor de colchão, pensei: amanhã coloco. Dançamos. Melecou tudo, tivemos que chamar um firma par a lavar a cama e passamos 2 dias fora do quarto.

*Eu insistia, mas o Felipe resolveu mamar só depois de umas 15 horas de nascido. Mesmo assim meu leite desceu como uma cachoeira antes de 48h. Hoje o bichinho mama de montão, o tempo todo. Engordou quase 2 kg em 1 mês.

*Também não quis saber de ver que cores esse mundo tem, abriu os olhinhos só no dia seguinte, o que me deixou meio ansiosa. Queria olhar nos seus olhos.

*Mesmo com um trabalho de parto ultra-rápido, meu períneo ficou bonitinho, não teve laceração. Acho que eu relaxei tanto que ajudou a passagem.

*Acho que senti mais dor depois do parto do que antes. Tive contrações fortes por uma semana! Em alguns momentos dava a cada 10 minutos durando 1 min. Não era só quando amamentava, era o tempo todo. Se eu abusava mais, subia escada, pegava o André no colo, piorava. Foram alguns remédios homeopáticos até que resolveu.

Agradecimentos:

Ana Cris e Jorge confiaram em mim e não vou esquecer jamais disso. Minha admiração por vocês, como pessoa e como batalhadores nessa luta pela humanização do nascimento, é imensa.

Mãe, a forma como você me trouxe ao mundo e me apresentou a ele certamente contribuíram para que seus netos pudessem nascer e crescer assim, sem drogas, felizes, amados e respeitados.

Cesar, já se passaram 12 anos de convivência e saber que posso contar com você, com seu apoio, saber que estamos sempre no mesmo barco, seja ele qual for é bom demais. Amo você!

Um beijo a todos.

Mariana Betioli

"Você faz suas escolhas e suas escolhas fazem você"

Steve Beckman

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