Relato de VBA2C - Leiliane Luduvico Andrade

Conheci Leiliane no início de sua terceira gravidez. Ela mora em Salvador e desejava uma experiência de parto/ nascimento totalmente diferente das que teve anteriormente. Sem informação e apoio foi vencida pelo discurso médico e conduzida a cesáreas mais do que desnecessárias: passivas e até cruéis, com sedação e separação dos bebês. Em seus prontuários as mentiras deslavadas que justificavam a interrupção das gestações eram a prova de que sequer precisavam ter acontecido.

Leili agora sabia que era possível parir naturalmente, e como o ideal era estar perto de casa, marido e filhos, iniciou a busca por uma equipe humanizada em Salvador: doula, obstetra, parteira. Ouvimos falar de gente boa mas na hora do contato efetivo, consulta, apresentação de plano de parto sempre tinha algum problema ou alguma ressalva. A maioria dos médicos a condenavam a uma terceira cesárea, passando a tratá-la como gestante de alto risco por ter duas cicatrizes uterinas e uma gastroplastia (por vídeo); uma GO chegou a dizer que era possível mas ainda faltava algo... mais experiência, mais empatia, mais confiança. Ou quem sabe era só o “universo conspirando” para que fosse diferente e melhor?

Através da comunidade em que discutimos o parto normal após cesárea no Orkut Leili chegou até mim, e me dispus a ajudá-la. Entrei em contato com vários médicos e dois aceitaram atendê-la: João Batista e Hemmerson. Como ela tem parentes em BH vir parir por aqui seria possível, e assim marcamos um primeiro encontro, eu, ela e João. Foi no final de novembro, ela estava com 30 semanas e senti que tivemos uma sintonia legal. Ela tinha muitas expectativas, estava ansiosa e preocupada, mas acho que o jeito tranqüilo do João que falava de estatísticas, estudos, ciência e poder feminino a encheu de ânimo, vontade de tentar, de enfrentar as dificuldades. Detalhes do grande dia foram acertados, a vontade de Leili era parir na casa de parto e só ir para a maternidade se alguma coisa saísse da normalidade. João viria ficar por conta dela e do bebê e eu daria o suporte físico/ emocional.

Como as companhias aéreas normalmente não deixam a gestante embarcar no final da gestação Leili teve que vir para BH com 35 semanas de gestação, não sem antes dar uma passadinha em sua médica pré-natalista de Salvador e ouvir absurdos (gestação de risco, não poderia voar, terceira cesárea certa, etc.) Ela chegou em BH sem nenhum problema na companhia aérea e começaram os quase 40 dias de espera. Nesse período nos vimos algumas vezes, nos reunimos com outras mulheres especiais que deram muito apoio a ela, conversamos sobre nossas experiências pessoais. Leili estava ativa, bem disposta, sem inchaço e com pródromos irregulares.

No dia 31 de janeiro o marido Marcelo chegou de Salvador para esperar o filhote nascer, e no mesmo dia o médico que ia acompanhar o parto teve que viajar. Ficamos apreensivos pois muita confiança foi depositada nele, mas ele deixou outros dois colegas cientes da situação e ambos se dispuseram a acompanhar o parto natural. Leili foi conhecer os dois, gostou, estava tranqüila.

Como a data provável era no sábado de carnaval resolvi ir para BH para ficar mais perto dela. Nos vimos no dia da DPP, 2/2, fizemos um relaxamento, massagem, escalda-pés. Os pródromos estavam ficando mais intensos denunciando a proximidade do parto.
No dia 6/2 às 8h o telefone toca: Leili estava sentindo as primeiras contrações. Ela dizia que já estavam bastante intensas porém irregulares. Pedi para observar por uma hora e enquanto isso preparei meu material e a logística para ir me encontrar com ela. Em 40 minutos ela me ligou de volta dizendo que não tinha dúvida que era TP, que a duração das contrações era de quase um minuto e intervalo de 2 minutos. O TP já estava começando na fase ativa, contrações doloridas. Me apressei para encontrá-la, e no caminho Marcelo me ligou algumas vezes, pediu dica para aliviar as dores e me informou da perda do tampão. Resolveram seguir para o Sofia direto, e eu os encontraria lá.

Assim que eles entraram na sala de triagem eu cheguei, eram 11h20min. O médico examinou e saiu da sala, fui falar com ele, me apresentei e ele falou apenas “más notícias”. Entramos na sala. Ele começou a falar com ela “puxa, você se preparou tanto, que pena!” Achei que havia algum problema sério e definitivo, caso para cesárea imediata. Ele prosseguiu “temos aqui um colo 70% apagado porém muito posterior, bebê em -2, bolsa rota com mecônio espesso”. Respirei aliviada. Vi o mecônio descendo, não estava tão espesso, então tratei de ficar com Leili, acalmá-la pois estava em posição desfavorável para a dor e abalada com o que o GO disse. Precisava ainda negociar com o médico a condução desse TP tão aguardado, mas ele saiu da sala uns instantes. Aproveitei para conversar com Marcelo e Leili, expliquei que líquido meconial não era indicação para cirurgia, disse que ficaria tudo bem. O GO voltou e perguntei se podíamos esperar a evolução do TP e nos guiar pelo coração do bebê. Ele felizmente disse que sim, perfeitamente. A única consideração negativa seria quanto ao local do parto, Leili deveria ficar na maternidade e não na casa de parto. Ela reagiu bem porém eu sentia um terror em seus olhos, um medo indisfarçável de que algo ruim acontecesse ao bebê e aquela batalha perdesse o sentido. Era o “turning point” que todo VBAC tem! hehe

Edeval escutou o coração, marquei junto para ter certeza: 144, ótimo! Ele estava de plantão na maternidade, ficaria por perto todo o tempo; solicitou um cardiotoco e disse que pediria outro no avançar do TP. Marcelo foi em casa buscar algumas coisas, levar a avó que os estava acompanhando até então.

Estava travada a árdua batalha de fazer amizade com a dor e deixar o colo do útero ir embora.

Leili descansou um bom tempo no sofá da casa de parto até que a parte burocrática fosse resolvida, logo entrou para o biombo de parto (não passou pelo pré-parto). Outras pessoas queridas estavam de plantão nesse momento e me senti muito à vontade, tivemos até alguns privilégios como dois acompanhantes no TP.
Eram 13:30, a querida Sibylle assumiu a assistência integral à Leili e Bernardo. Fiquei com ela todo o tempo informando sobre cada fase, incentivando, ela sempre muito forte!

O resultado do cardiotoco foi satisfatório, coração estável em 112/ 115 recuperando rapidamente após as contrações, estas com intervalo e freqüência excelentes. Marcelo chegou e ficou conosco no biombo, com seu olhar enigmático me pediu que cuidasse de Leili, assim entendi e assim fiz! Fomos experimentando posições, banqueta, massagem, chuveiro até que um novo toque foi feito: 3 cm, colo 90% e bebê baixinho, 14:40h. Neste exame Sibylle conseguiu trazer o colo um pouco para a frente (só soubemos depois), e como foi difícil para Leili se levantar da cama após o exame pois sentia um incômodo maior, olhei pra Sibylle e perguntei discretamente “deu uma descoladinha?” ao que ela simpática e em dúvida respondeu “sim... será que fiz bem?” E os fatos mostrariam que sim!

Fomos para o chuveiro novamente, botei uma banqueta de cócoras debaixo da água quente. Precisava ajudar Leili a respirar melhor (ela prendia o ar durante as contrações e aos poucos passou a prestar atenção e mudar isso, relaxando), lidar com as dores, mudar de posição com mais freqüência, pedir o que estava precisando. Este momento foi realmente único, mágico. Conheci a Leili leoa, braba, se entregando de vez às contrações, pedindo apoio, massagem, contato, aceitando sugestões de posições. Ela pensava em analgesia mas não pediu, ao invés disso soltou a voz e em dado momento disse para si mesma “eu sou poderosa, eu vou conseguir, já sou vitoriosa!” Era a transição. Eu tinha dito a ela muitas coisas menos isso, e na hora falei “ainda bem que você sabe!” ahaha

Seu organismo estava fazendo uma limpeza espontânea, suas contrações vinham quase sem pausa, mais intensas, não mais vinham das costas, e ela me pediu pressão com as mãos no baixo ventre. Ela estava na banqueta, o tampão resolveu sair (já que o que antes se presumia ser o tampão era mecônio!), a vulva já abaulava nas contrações e a sensação de dor não passava nos intervalos. Pedi que Sibylle viesse dar uma olhadinha, ela escutou Bernardo, disse que estava tudo ótimo e sugeriu um toque em alguns minutos. Eram 15:50h, como tinha somente uma hora e dez que ela tinha tocado e encontrado 3 cm não nos apressamos.

Ela saiu da água lentamente, não só pelo cansaço mas também pela posição do bebê. Eram 16:10h e eu confesso que torcia mentalmente para que a evolução estivesse no mínimo em 5cm para que ela não desanimasse, as ondas estavam de fato intensas. Marcelo ajudou Leili a se acomodar na cama, ficou na cabeceira apreensivo mas muito carinhoso, oferecendo água, gatorade, trouxe até um lanchinho pra mim! hehe
Sibylle veio fazer o toque e logo exclamou “está nascendo” meio sem acreditar! Confirmou e disse “ 9 cm!” A dilatação progrediu 6 cm num intervalo de 1h35minutos! Alegria e festa no bloco obstétrico, Leili deu o sorriso mais maravilhoso que eu já vi na minha vida, estava agradecida à Deus, à vida, à natureza por sua vitória! Começou a falar coisas lindas, dizia que sua mãe já falecida a estava ajudando, a estava iluminando com sua presença amiga, e eu chorei tanto... hehe

Cida, a auxiliar de enfermagem, preparou a sala com o material de parto, ajudou na escolha de posição, colocou o arco de cócoras na cama. Sibylle chegou a oferecer analgesia mas Leili, guerreira que hora nenhuma mencionou desistir, não pediu cesa ou drogas, negou! A neonatologista Karina chegou trazendo mais do que amparo técnico: trouxe sua experiência de parto natural após duas cesáreas, um sorriso e mãos amigas! Marcelo auxiliava com posições (me pareceu tão calmo e extasiado!) e eu tratei de filmar como foi combinado.

Os puxos chegaram e Leili não foi comandada a fazer força. Seguiu seus instintos, sentia o bebê se pronunciando e voltando, tocou os cabelinhos ainda dentro do canal! Estava em alfa, falava coisas lindas e desconexas, feliz, plena, realizada por ter desafiado o sistema obstétrico e estar diante de sua recompensa. Experimentou o arco mas preferiu cócoras com apoio na cama; de um lado Marcelo, do outro Karina, Sibylle amparava o períneo. Se conectou com a energia ancestral, com seu âmago, reuniu forças e em poucas contrações nasceu Bernardo, às 16:59h de 6 de fevereiro, quarta-feira de cinzas, o parto da Fênix. Nasceu tão bem o menino, chorou, fez xixi! Leili o pegou, levou pro colo e lá ele ficou! Não foi aspirado, Karina o limpou com um pano, apenas. Tratamos de aquecê-lo e apresentá-lo ao seio da mãe, e ele mamou, fez uma boa pega como se fizesse isso há anos!

O pai cortou o cordão e a placenta saiu sozinha em poucos minutos. Mesmo não tendo entregue o plano de parto ela ou eu fomos consultadas antes sobre isso.
Foi preciso sutura perineal para uma laceração de segundo grau, e esta foi feita em meio a parabéns, sorrisos, telefonemas e contação de “causos” da parteira e do obstetra recém chegado.

Mãe e filho foram para o quarto sem pressa, sem separação, sem intervenções com o bebê. Fiquei com eles enquanto Marcelo ia em casa buscar os filhotes mais velhos para ver a mãe e o novo irmãozinho, e tive o gostinho de pesar (3.360 kg) e medir Bernardo (54 cm)!

Quando a família estava completa e inteira em todos os sentidos fui embora, tão feliz, tão realizada quanto a mãe que acabara de dar á luz, se é que isso é possível!

Considerações finais
Foi um trabalho de parto muito intenso e rápido. Não usamos nem música, nem incenso, e Leili me disse em outro encontro que se tivesse alguma dessas coisas iria atrapalhar, tirá-la do foco.

Depois de enfrentar médicos discrentes, a distância, a saudade de casa e do marido, o medo (cultural) do parto essa mulher voltou para sua cidade vitoriosa. Nasceu uma criança e uma nova mãe! Espero que essa sensação de êxtase nunca passe, que outras pessoas se inspirem com essa experiência rica!

Sou muito privilegiada e muito grata por conhecer mulheres como você, querida Brisa! Obrigada a você e Marcelo por me permitir fazer parte desse momento íntimo e familiar. Obrigada a família de Marcelo pela acolhida, pelo carinho e confiança!

Parabéns e felicidade sempre!

Rebeca – Doula
Divinópolis, 28 de fevereiro de 2008.

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