Até mais ou menos o sétimo mês de gravidez eu nem tinha parado pra pensar no parto. A única coisa que eu não queria, mesmo, era marcar a data da minha filha nascer, porque eu achava isso muito estranho. Mas pensava que ia ser como fosse: se desse pra fazer parto normal, faria. Se não desse, iria pra cesárea. Isso é o processo normal, não? Hoje, claro, sei que não é. Afinal, eu tinha um médico de convênio. Aos sete meses ele marcou a data da cesárea: 2/8/10. Pra mim tava longe, eu deixei pra lá. Na minha cabeça a Manu ia nascer em julho, embora minha DPP fosse pra 14/08.
Com cinco meses de gravidez comecei a fazer pilates, e isso me levou a um processo de conhecimento corporal muito bacana, que mudou minha relação com meu corpo até agora, seis meses depois do parto. E com 34 semanas eu conheci o Gama, a lista materna e pesquisei tudo sobre parto. E, além de ficar de queixo caído com o que descobri em relação ao mercado de cesáreas forçadas, entendi melhor o que era o parto natural. Juntando essas duas coisas, fiquei muito a fim de parir – e não de ser operada.
Só que, além de já estar com 34 semanas, a Manu tinha acabado de virar. Depois da gravidez toda aparecendo cefálica nos ultrassons, com 30 e poucas semanas faço outro e ela está pélvica. Meu médico deve ter comemorado em silêncio, e disse que na próxima consulta já iríamos ligar no hospital para marcar a cesárea. Timidamente, disse que preferia esperar “a hora”. Putz, aí começou.
Nessa altura do campeonato, as consultas vão ficando mais frequentes, como vocês sabem. E toda consulta era uma saia justa. O médico insistindo em marcar a data, eu falando pra esperar. Mas o cara era duro na queda, fazia terrorismo forte. Dizia que, por a Manu estar pélvica, era perigoso entrar em TP. Só que cada vez era uma explicação diferente do porquê desse “perigo”. Mas perigoso por que, doutor? “Ah, porque pode ter trânsito, você demorar, e sair o pé dela pra fora, por exemplo” ou “Ah, porque quando o bebê está na posição, com a cabecinha pra baixo, a cabeça é como se fosse uma rolha. Então quando a bolsa estoura, a “rolha” segura um pouco do líquido. Quando está sentado e a bolsa estoura, a água sai toda de uma vez, e isso é muito perigoso!”. Na boa, nem precisava pesquisar muito pra sacar que era um monte de besteira. As explicações dele simplesmente não faziam sentido, além de mudarem a cada consulta. Bom: consegui adiar a data da cesárea de 2/8 (38+2 semanas) pra 9/8 (39+2 semanas) – ele só operava às segundas, pelo visto. Mas disse que ainda não tinha decidido o hospital, portanto ele não podia já deixar marcado na maternidade.
Um monte de coisas foram se juntando ao longo do mês de julho: fui na Pro Matre e odiei. Achei puro marketing - e que idéia horrível aquela da vitrine pras pessoas assistirem o parto! Lia os emails da lista e ia sacando cada vez mais o barco furado que eu tinha me metido com o médico. Por outro lado, pesquisei sobre parto pélvico e sobre versão externa e descobri que não, cara, aí já era demais. Eu não tinha coragem. Visitei o Santa Catarina e achei bem melhor; optei por ser lá. Já tinha feito até o chá de bebê, meu marido e minha família já naquele pique de “reta final”. Todo mundo ligando toda hora pra saber “como eu estava”. E a DPP só pra 14/08. Na segunda metade do mês tomei consciência de que a Manu não ia nascer no mês de julho. Era meu primeiro filho; era bem provável que eu passasse das 40 semanas.
No fim de julho eu já estava realmente imensa. Minha mãe e meu marido até apoiavam meu desejo de esperar o início do TP pra fazer a cesárea, mas conforme os dias iam passando ambos começaram a dar uma pressionada sutil: “mas vai ter que ser cesárea mesmo… por que não fazer logo? A bebê tá enorme, você também…”, essas coisas. Na minha aula de pilates a mulherada tava quase me levando a força pra maternidade. Todo mundo com aquele MEDO. Eu não consigo entender! Como as pessoas têm MEDO de um bebê ficar DENTRO DA BARRIGA?
Enfim. Tive uma consulta no dia 4/8 e falei que não iria fazer a cesárea no dia 9. Aí ele ficou bravo mesmo: “você carregou sua filha saudável durante 9 meses pra deixar ela morrer dentro da sua barriga?”. Juro, falou assim com uma grávida de 9 meses. Meu marido ficou mudo a consulta inteira, não conseguia reagir. Segurei firme e falei que dia 9 eu não fazia. Ele disse: “olha, eu vou marcar pro dia 16 que é o meu limite. Mais que isso, eu não te atendo mais”. 16 de agosto, 40 semanas e 2 dias. Ligou no Santa Catarina na minha frente e marcou. Saí da consulta e as lágrimas rolaram, eu não conseguia falar.
O que ninguém entendia, nem meu marido entendia totalmente, é que não era birra, não era teimosia, não era “medo do bebê”, não era “não desapegar da barriga”. Eu queria fechar um ciclo. A gravidez começa com a fecundação e termina com o parto. Eu vivi minha gravidez intensamente, por que iria interrompê-la antes do ciclo se fechar? Eu não poderia parir? Ok, eu estava conformada com isso. Mas eu não suportava a idéia de não fechar o ciclo. E mais: eu não suportava imaginar minha filha lá, quentinha, tranquila, na aguinha, e de repente abrem um buraco e arrancam ela de lá sem aviso prévio!
No dia 11/08, quarta-feira, tive mais uma consulta e, surpresa: em uma semana minha barriga tinha crescido mais 2 cm. Ou seja: quando já era pra minha filha estar fora da barriga, porque supostamente ela já estava “pronta”, ela ainda estava crescendo, e muito. Veio a quinta, veio a sexta 13 (todo mundo tinha medo que ela nascesse na sexta treze), veio o sábado e nada. No sábado à noite assisti um filme bobo na televisão que era a história de uma grávida. Quando, no final do filme, ela entrava em TP e começava o parto, fui chorar no banheiro escondida do meu marido. Uma frase que tinha lido em um dos relatos de cesárea postados no sites de parto humanizado ficava ressoando na minha cabeça: “eu me sentia como uma vaca indo pro matadouro”. Era exatamente como eu me sentia. Estava me sentindo injustiçada, revoltada, desrespeitada e – pior – sem saída. Cogitava simplesmente não aparecer no hospital na segunda-feira às 6 da manhã, mas sabia que não teria coragem de enfrentar meu marido, o resto da família e o médico. Incrível como os médicos conseguem pressionar a gestante de forma eficaz; eu estava como medo até do médico, embora já tivesse sacado há muito tempo que ele era um cretino!
No domingo acordei com um humor melhor, mesmo sem motivo. Vieram entregar a cama de casal nova que eu tinha comprado alguns dias antes, mas os entregadores se recusaram a tirar a antiga e colocar a nova. Apesar dos protestos do meu marido, o obriguei a fazer a troca de camas com a minha ajuda – sozinho era impossível. E lá fui eu, com meu enorme barrigão, empurrando cama de casal escada acima e escada abaixo. Lavei roupa, fiz almoço, veio a noite. Me conformei que teria que fazer o que o médico ordenara: depilar todos os pelos da virilha. Por volta das 9 da noite, fui pro banheiro, sentei e comecei a me depilar. De repente… PLOCT!
Um barulhinho. Água escorrendo. A primeira coisa que pensei: “ué, mas eu não fiz xixi!”. Levantei do vaso e… chuááá! A água escorria! Estourou a bolsa, estourou a bolsa! Saí correndo pelada com a virilha cheia de creme e chamei meu marido. Ele ficou sem ação e eu escorrendo água. Entrei no chuveiro e mandei ele ligar pro médico. Me vesti mas a água escorria sem parar. Eu não acreditava! Fomos pro Santa Catarina, eu sentada em cima de monte de toalhas. Eu não sentia dor nem contrações. Estava tão feliz! Liguei pros meus pais do carro. Era um domingo à noite, os termômetros da av. Paulista marcavam 9 graus. Eu me sentia feliz e com a adrenalina lá em cima, como se fosse uma adolescente indo pro baile.
Cheguei no hospital, o segurança veio correndo com a cadeira de rodas, eu disse que não queria. Entrei na recepção enquanto meu marido ia estacionar o carro no lugar certo e falei: “então… estou em trabalho de parto.”. O moço riu e me mandou entrar e ir até o andar x. Depois saquei que aquela recepção era pra visitas, não pra emergências, haha! Se bem que não era uma emergência. Eu estava calma, tranquila, feliz com a nossa vitória. A Manu tinha me ajudado. E resolveu nascer num domingo à noite gelado só pra aporrinhar o médico!
Fui muito bem tratada pelas enfermeiras, respondi todas as perguntas que me fizeram pra preencher todos os mil formulários. Comecei a sentir um pouquinho de dor momentos antes de ir pro centro cirúrgico. Tinha cogitado fazer mil exigências, que não colocassem pano, que não prendessem minhas mãos (de fato não prenderam), que não cortassem o cordão de cara, etecétera e tal, mas na hora estava tão feliz e tranquila, e só pensando que minha filha ia chegar, que deixei pra lá. Não era o momento de brigar por nada. Eu escolhi que fosse assim, eu aceitei a cesárea, e a minha maior vitória eu já tinha tido. A única coisa que impedi mesmo foi a aplicação da BCG. O resto, infelizmente, foi padrão.
O médico disse que devia ter ganhado adicional por força, porque ela estava pélvica com os pezinhos lá pra cima, próximos ao rosto, e ele não conseguia um ponto de apoio para puxá-la. Acabou puxando pelo quadril, ela nasceu de bundinha pra lua. O assistente empurrava tanto minha barriga que mesmo anestesiada eu sentia. Não deve ter sido nada bonito de olhar, meu marido ficou meio impressionado. Mas ela saiu e quase não chorou. Me trouxeram e ela era tão linda que eu tomei um susto, eu tinha me preparado pra um recém-nascido meio feinho! Levemente azulzinha, boquinha corada, olhinhos fechados. Eu sou atéia, mas a frase que me vem é que era um presente de Deus, mesmo.
Manuela nasceu às 23h16 do dia 15 de agosto de 2010, oito horas antes do horário marcado pelo médico e treze dias depois da primeira data proposta por ele para a cesárea. Teve apgar 9/10 e pesou 3,5 kg; nasceu super cabeluda, com unha comprida e cheia de força pra sugar. Nosso início de amamentação foi absolutamente tranquilo, ela sempre ganhou peso dentro dos padrões ideais, e tenho certeza que isso se deve muito a ter nascido na hora certa.
Mas, sim: odiei ser anestesiada, odiei o pós-operatório, não recomendo nem desejo isso pra ninguém. Meus pontos inflamaram, foi bem chato. Hoje encaro a história do meu parto como um primeiro passo na tomada de consciência, como um processo de ganhar coragem e de muito aprendizado. Tenho certeza que terei outro filho, e que será de parto natural. Quem sabe até em casa.
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